quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Memória ? Afinal, o que é Memória? Como a memória é reestruturada através da redes sociais e suas consequências....



Segundo o jornal Folha de São Paulo,de 26 de maio de 2010, no artigo ´´Ainda somos pessoas quando jogamos``, não existe diferença entre o ser humano analógico, ou seja, aquele que tem um padrão de vida e comportamento alicerçado nas influências pré-digitais, e aquele que é envolvido pelo mundo digital, pois segundo o articulista do jornal ´´ Ao mesmo tempo (tanto no mundo virtual como no real), ainda somos pessoas (seres humanos), pois quando jogamos nos encontramos e nos comunicamos com outras pessoas``.

A questão não é, se somos ou não seres humanos, pessoas, mas que tipo de pessoas nós somos.  Na primeira parte deste artigo, descreverei a partir do Idealismo, uma teoria sobre a constituição do ser humano (EU), depois será destacado o papel que a virtualização tem sobre ou na memória do ser humano, por fim é exposto as consequências e a nova subjetidade, que nasce a partir da interação entre a memória e as redes sociais.

Segundo Paula Sibilia, a descrição do que é o ser humano, segundo a tradição idealista nos ´´leva a pensar no ser humano como uma criatura dotada de uma profundeza abissal, oculta, frondosa, em sujos obscuros meandros se esconde uma bagagem tão secreta como incomensurável``.

Os conteúdos do ser humano, segundo esta tradição, é composto de ´´infinitos dados, acontecimentos vividos e fantasiados, personagens queridos ou esquecidos, sonhos, desejos inconscientes, firmes ambições, vontades inconfessáveis, medos, ódios, amores, dúvidas, certezas, dores, alegrias, lembranças difusas... enfim todos os sedimentos da experiência vivida e da imaginação de cada um``.

Este ser humano tão complexo é, segundo a tradição acima mencionada, composto essencialmente de uma substância imaterial, que o torna  um ser humano misterioso ´´intangível``.

Ainda, segundo Sibilia, existem algumas ferramentas teóricas que permitem enxergarmos ao menos em parte quem é o ser humano. Uma delas é a Psicanálise, que por sua vez usa o passado para trazer a luz algum entendimento sobre quem é o ser humano. Para Freud, o desvendamento de quem é o ser humano está em se efetuar uma ´´arqueologia do eu``, para assim explicar como o Eu do ser humano é construído.

Para isso, Freud usa duas metáforas, ambas são diferentes entre si, porém se complementam, uma metáfora é aquela que  evoca a cidade de Roma, ´´ que nos mostra a multiplicidade de camadas, sempre parcelares, o qual pode reaparecer e tornar-se significativo no presente`` ; e outra metáfora é aquela que traz a luz a cidade de Pompéia, o qual evoca ´´ à cidade petrificada que preserva de forma intacta uma imagem totalizante``.

Ambas metáforas ajudam a entender como construimos ou usamos a nossa memória e é ela ou a forma como a estamos construindo que sem percebermos acarreta transformações no nossso EU.

Agora não há mais um apego tão grande ao passado e a memória, estamos em um período, chamado mundo digital ou virtual, o qual traz  profundas alterações na ligação entre a memória e aquilo que ela utiliza-se na construção do EU. Com isto, até as expressões que utilizamos mostram estas alterações, transformações na forma como estamos construindo e utilizando a nossa memória, assim sendo acabamos por incorporar expressões provenientes da fotografia e do cinema que aparentemente não causam modificações nenhuma. Contudo, acabam por ´´reconfigurar todo o nosso sistema neural``.

 Agora é possível rebobinar o filme da nossa vida,  operar flashbacks ou cortes em certas sequências, focalizar ou aplicar zoom sobre um detalhe, evocar uma cena em câmera-lenta, efetuar um close-up sobre um rosto, também se multiplicam as metáforas procedentes do universo informático na hora de arquivar ou deletar algum dado da nossa mente , escanear na memória procurando algo esquecido, gravar uma informação com segurança redobrada. Não são triviais estas alterações nas formas com que pensamos as recordações, os mecanismos da memória e a própria vida como um relato, pois cada vez mais , a vida passa a ser uma história inspirada nos modelos audiovisuais que permeiam e recriam constantemente o mundo, enquanto o EU se espelha nas personagens que transbordam das telas.

Uma das possíveis consequências destas transformações em nós, é a de estarmos sendo levados para uma incapacidade de nos aprofundarmos e demorarmo-nos nas reflexões, introspecções, que quase sempre são, dolorosas, laboriosas, sistemáticas e disciplinadas.

Assim sendo a memória que se utiliza(va) do passado para conceder inteligibilidade ao caótico fluir do tempo, explicar o presente e a singularidade da individualidade do eu, parece estar usando o passado somente para ser consumido, uma vez recriado de maneira estetizada como objeto de curiosidade, nostalgia e sentimentalismo.

Segundo Henri Bergson, no seu Ensaio ´´Matéria e Memória`` é importante trabalharmos de forma adequada a ligação entre o passado e a memória. Para explicar sua Teoria, Bergson cita que existe um vínculo inexorável entre percepção e memória. A percepção é um ato contínuo na experiência vital do sujeito, porém a necessidade de ação presente limita e filtra o que de fato é percebido. Desse modo, sempre se efetua um recorte percebido em função da própria  subjetividade e das necessidades presentes. E a memória se encarrega de trazer à tona todas aquelas representações percebidas embora não ligadas à ação presente. Por isso,  a percepção do passado ( com seu fluxo de lembranças e sua objetivação do tempo vivido) irá aumentar se o sujeito estiver inativo, e se as mencionadas ´´ necessidades de ação presente`` forem escassas ou praticamente nulas`` .

Em outras palavras,  Bergson está dizendo, que para sermos seres humanos completos historicamente, é necessário que presente-passado-futuro estejam operando conjuntamente, pois a profundidade de nossas ações e reações comportamentais e pensamentos presentes devem estar alicerçadas no passado, que por sua vez é resgatado pela memória a fim de desenvolvermos um futuro completo, ou seja, alicerçado no passado e no presente e não meramente em um presente congelado.

O Blog e os Fotologs como redes sociais do mundo virtual, por sua vez estão nos ajudando a construir cada vez mais um presente congelado, o qual por sua vez tem feito surgir ´´uma era tão desmemoriada e tão obcecada pelo sonho de criar um substituto  da frágil memória orgânica. As redes sociais, também tem ajudado a construir um Ser Humano (EU) fundamentado na superfície visível do corpo e com uma vocação amplamente exibicionista.

Nestes novos relatos (blogs e fotologs) do e sobre o ser humano também  percebe-se certos ares daquela vontade tipicamente romântica de ´´reter o tempo``, aquela ânsia de guardar algo próprio e valioso, mas que inevitavelmente irá escapar na vertigem da aceleração contemporânea. É importante lembrar que o excesso de informação do mundo virtual tem colocado o ser humano em conflito consigo mesmo( por exemplo, segundo informações do caderno TEC da Folha de São Paulo de 26/05/2010 ,o YOU TUBE em pouco mais de 5 anos de existência, já alcançou um acervo de mais de seis séculos(...) ele cresce a um ritmo de 13 horas por minuto), pois como é aparentemente impossível guardar em nossa memória toda a enxurrada de informações expostas no mundo digital, podemos usar então as ferramentas virtuais que nos possibilitam, além de arquivar o que iremos ´´esquecer``,  nos conceder também um resgate instântaneo do passado.

Com isto, não há mais passado fundador do presente e do eu (ser humano), e não há mais um futuro radicalmente diferente no horizonte, Sibilia diz que; ´´Só resta, portanto, ao que parece, apenas uma coisa: o presente petrificado. Nesse sentido, longe daqueles diários intimos do século XIX, que exigiam uma disciplina racional, sistemática e quietude para resgatar o passado, agora os Blogs conformam prolixas coleções de tempos presentes que ficarão  petrificadas e que visam uma certa espetacularização do eu.``

´´Portanto, estes novos fenômenos (as redes sociais) revelam mais um traço no processo de reconfiguração que atravessam as subjetividades contemporâneas. Os gêneros autobiográficos que proliferam na Internet são sintomáticos destas novas subjetividades, por evidenciarem importantes mudanças nos valores atribuídos à idéia de interioridade e ao estatuto do passado como dois alicerces fundamentais do eu. Essas duas noções foram primordiais na constituição da subjetividades modernas e, apesar da sua permanência como fatores ainda relevantes, parecem estar perdendo seu peso na definição do que cada um é. Portanto, os blogs,os fotologs, os videologs, as webcams, e-mails, chats revelam a emergência de novos modo de ser: subjetividades afinadas com uma formação histórica cada vez mais distante do tempo, em que fomos e deviamos ser absolutamente modernos.``

FONTE BIBLIOGRÁFICA:
SIBILIA, Paula. O show do eu. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2008.

Abraço
Elias

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