segunda-feira, 9 de julho de 2012

É tudo tão simples ?


Artigo de Vicki Abeles, pertinente e interessante, porém não tão fácil assim de aplicá-lo à nós e nossas crianças, ainda que muitos dirão que fazem justamente como o texto coloca a questão da criação dos filhos. Confira.

É tudo tão Simples

Sou contra festa do pijama, acampamentos escolares antes dos sete anos, noite do soninho na escola e todos esses modismos vazios. Quando a criança nasce e durante a primeira infância, precisa ser abraçada, acolhida, protegida. Quando jovem, sim, é hora de se lançar ao mundo. Hoje vemos os pais e educadores fazendo o movimento inverso com nossas crianças.
 
Vicki Abeles
Tradução - The New York Times
 
Uma coisa que aprendi com uma educadora e professora dinamarquesa de muito bom senso é que quando se trata da educação de nossas crianças, não é preciso inventar moda. Pelo contrário, tudo é ou deveria ser tão simples.

Percebo que a primeira infância anda cada vez mais vulnerável e desprotegida. E não falo em termos sócio-econômicos, falo das conseqüências do que temos oferecido para nossas crianças em termos emocionais, que tem acarretado uma geração de jovens infelizes e agressivos e uma legião de indivíduos inseguros em todas as classes sociais.

Esse fenômeno vem ocorrendo no mundo todo, fruto dos reflexos de nossa cultura que exporta para todos os cantos da terra um estilo de vida insano e doentio sob todos os aspectos. Uma cultura que preza a competição, as aparências, o sucesso a qualquer custo, a sociabilidade forçada e falsa das redes sociais.

Muitas crianças estão sofrendo da ausência do calor e carinho dos pais, não porque ambos precisem trabalhar fora, mas porque, quando estão pais e crianças juntos, muitos pais optam por afastar os filhos em nome de modismos vazios, buscando as ilusões e o excesso de estímulos do mundo externo, quando deveriam oferecer as crianças o aconchego do mundo familiar, da casa, do quarto aconchegante, do chão da sala acolhedora, da cozinha cheirando o preparo das refeições, do quintal.

Quando a criança nasce e durante a primeira infância, a criança precisa ser abraçada, acolhida, protegida. Quando jovem, sim, é hora de se lançar ao mundo. Hoje vemos os pais e educadores fazendo o movimento inverso com suas crianças.

Um exemplo é o de escolas que incentivam crianças menores de sete anos a dormirem fora de casa, em acampamentos escolares ou mesmo na escola, inventando atividades completamente vazias do ponto de vista sócio-pedagógico. A criança na primeira infância precisa do amor e da segurança do seu lar, ela precisa dormir sabendo que seus pais estão logo ali ao lado, caso ela sinta medo ou qualquer desconforto, precisa crescer acolhida e cercada da presença de seus pais e familiares. Isso não significa que os pais precisem estar o tempo todo à disposição da criança para brincar e realizar atividades quando estão juntos. Para a criança, basta a presença do adulto amado e fonte de exemplos, que ele esteja ali, próximo e ao alcance, zeloso e presente, de preferência todos recolhidos dentro do lar.

Hoje os pais trabalham fora o dia todo e o convívio de pais e criança dentro de casa é escasso. Quanto mais a criança menor de sete anos puder desfrutar do aconchego de seu lar nos fins de semana, melhor, porque é esse recolhimento e acolhimento que lhe dá segurança e a fortalece emocionalmente. Não é a freqüência ao shopping hiper lotado, a festa no Buffet da moda todos os sábados, a festa do pijama semanalmente, seja em casa ou na casa dos amigos, que tornarão uma criança sociável, adaptável.

Muitos pais, preocupados precocemente em ter filhos que sejam populares, bem aceitos pelo grupo, que façam sucesso socialmente _ uma preocupação a meu ver precoce demais para se ter em relação às crianças pequenas _ empurram esses pequenos seres para um mini universo adulto, que os confunde, os aborrece, os frustra e muitas vezes os amedronta. Onde estão meus pais? Quem aqui zelará por mim, me afagará ou me dará o abraço protetor caso eu sinta medo? Cercada de adultos muitas vezes desconhecidos, a criança carece do apoio dos adultos que ama, daqueles nos quais ela confia, normalmente pais, avós ou tios mais próximos.

Conheci uma garotinha de quatro anos que passou uma semana toda tendo pesadelos a noite. Indagada pela mãe que já não sabia mais o que fazer para acalmá-la, finalmente a garota confessou. Estava apavorada com a possibilidade de ter que dormir uma noite, longe dos pais, num acampamento promovido pela escola. Diante do sofrimento da filha, a mãe suspendeu a participação da filha junto ao colégio. 

Esses pais esquecem que o mundo da criança pequena é o mundo do aconchego, da serenidade e da tranqüilidade de um lar amoroso, com rotinas e ritmos. Acordar, tomar café, brincar no quintal, almoçar, tirar uma soneca se for o caso, brincar à tarde no chão da sala, tomar um banho ao anoitecer, jantar, ouvir estórias e adormecer.

Crianças pequenas não deveriam brincar na rua e serem empurradas para o grupo em espaços abertos sozinhas antes dos sete anos de idade. Crianças pequenas ainda estão aprendendo a reconhecer a si próprias, portanto não sabem ainda dividir, compartilhar. Elas já são obrigadas a viver essa experiência na escola, portanto importante seria poupá-las quando estivessem em casa. A criança que freqüenta escola desde muito pequena sente uma vontade enorme de desfrutar mais do aconchego de seu lar, mas não sabem verbalizar esse desejo.

Muitas acabam demonstrando essa vontade agredindo colegas, desentendendo-se com seus pares o tempo todo, chorando e mostrando-se irritadiça com a falta de momentos de descanso, repouso e intimidade com seus familiares. Elas estão clamando por aconchego, recolhimento, porque é natural do ser humano ter necessidade de se recolher, ficar quietinho, para recarregar as energias, entender ou enxergar melhor uma situação quando buscam tranquilidade. Muitas pesquisas apontam que para sedimentarmos o aprendizado precisamos de tempo para descansar e assimilar o que aprendemos.

Para crianças pequenas, basta oferecer um canto acolhedor e estar presente em casa. Nossos pais e avós não tinham seus pais o tempo todo à disposição para sentar com eles ao chão e brincar por horas, nem para se dedicar a folguedos e brincadeiras quando estavam juntos. Se hoje os pais trabalham muito, os pais de antigamente não trabalhavam menos. Apenas a natureza do trabalho diferia. Nossas mães e avós trabalhavam muito dentro de casa, mas estavam ali, ao nosso simples alcance, o que nos dava serenidade e segurança, simplesmente por isso. E nossos pais e avôs trabalhavam muito, tanto quanto hoje, fora ou dentro do lar. Porém, por não disporem de tantas alternativas de lazer e nem dinheiro para isso, as famílias conviviam mais dentro de casa.

Além disso, tente se lembrar de com que idade foi permitido a você brincar na rua com outras crianças. A maioria dos indivíduos de nossa geração deve ter começado a brincar fora de casa após os sete anos. Antes disso, nossas mães não permitiam que saíssemos de casa ou do portão para fora. Essa permissão normalmente coincidia com a nossa entrada na escola, ou seja, ao final da primeira infância, por volta dos 7 anos naquela época, nunca antes. Porque hoje precisa ser diferente? Tínhamos a proteção e a segurança, necessárias para primeiro aprendermos noções básicas de partilha e de pertença, antes de buscarmos um grupo para brincar. E é assim que naturalmente ocorrem as coisas, e não forçando ou antecipando etapas.

Portanto, quanto mais carinho, presença e simples convívio doméstico, harmonioso, mais segura, tranqüila e pacífica uma criança irá crescer. Não são os modismos do consumo que irão oferecer a segurança emocional de que nossas crianças precisam, mas a paz interior de que todos nós prescindimos desde sempre.

Crianças das quais são retiradas essas substâncias desde pequenas crescerão inquietas, sem noção do outro, uma vez que não aprenderam a reconhecer a si próprias. Enfastiadas de convívio externo excessivo, extravasarão inconscientemente suas angústias e insatisfações no outro, perpetuando uma cultura de violência e individualismo, seja na escola ou outros espaços públicos, num mundo cada vez mais carente de uma cultura de paz.